Arquétipos da Liderança Técnica

Hugo Estevam Longo
9 min readOct 8, 2021

Nos últimos anos, vimos uma enxurrada de livros revelando o caminho da carreira de Gestão, como The Manager’s Path, de Camille Fournier, The Making of a Manager de Julie Zhuo e An Elegant Puzzle de Will Larson. A carreira de Gestão na área de engenharia não é um caminho fácil, mas existem muitos conteúdos disponíveis para ajudá-lo a navegar nesse assunto. Duvido que você nunca tenha topado em um podcast sobre isso …

Agora vamos imaginar o seguinte, você consegue avançar em sua carreira sem se tornar um gestor de pessoas? Muitas empresas responderão rapidamente a essa pergunta dizendo, com entusiasmo, que têm uma carreira Y. Mas será que eles realmente têm?

A tal da carreira Y

Na maioria das empresas de tecnologia, dentro de uma carreira técnica, também conhecida como Individual Contributor (IC) você alcançará o cargo de Senior Engineer, que é o nível de carreira para engenheiros de software, em cinco a oito anos. Estando nesse nível de carreira, a escada da carreira da sua empresa pode não lhe apresentar um caminho para a próxima promoção. Ser promovido passa a ser uma exceção, e não o caminho natural. É nesse momento que muitos engenheiros têm pela primeira vez a oportunidade de passar para a carreira de gestão de pessoas.

A gestão de pessoas é normalmente a primeira opção e a liderança técnica a segunda. A trilha de liderança técnica na engenharia costuma ser preenchida por títulos como Staff Engineer e Principal Engineer. O fato de essa segunda faixa existir é um sinal de progresso, mas ainda há muito trabalho pela frente para torná-la acessível e impactante.

No sistema mais tradicional, a maioria dos cargos são divididos em “júnior”, “pleno”, “sênior” e “Gestor de”. Isso simplesmente não foi detalhado o suficiente para dar às pessoas uma sensação de progressão. O exemplo concreto que quero trazer hoje é sobre o cargo “desenvolvedor”, que fica entre desenvolvedor júnior e desenvolvedor sênior. As pessoas por muitos anos sentiam-se presas nesse papel, sem nenhuma ideia real de quando ou como progrediriam para desenvolvedor sênior e o que poderia vir após.

Aí a necessidade de uma evolução, que precisava oferecer um número maior de níveis. Abaixo, trago uma visão de progressão em carreira Y com 6 níveis:

Source: Holloway

A gestão de pessoas é um caminho importante para muitas pessoas, mas não deve ser o único caminho. Algumas pessoas querem se tornar um IC — Contribuidor Individual Sênior — alguém altamente qualificado em um único campo, mas que não faz gestão de pessoas. Aí entra a liderança técnica, que são os contribuintes individuais seniores em qualquer área. Eles são muito valiosos, e as empresas precisam fornecer caminhos para que as pessoas cresçam nesses papéis.

Na engenharia de software temos esse caminho bem estabelecido: indo de Senior Engineer a Staff, seguido por Principal e, em seguida Distinguished. Embora a trilha de contribuidor individual sênior esteja cada vez mais conhecida, o que é Staff ou Principal ainda varia muito de empresa para empresa. E, assim como entrar na gestão, decidir mudar de Sênior para Staff ou de Staff para Principal muda o trabalho diário e as expectativas colocadas nos ICs. E então, por que não há mais pessoas falando sobre essa mudança, e como a liderança técnica realmente é?

A título de exemplo, a Levels.fyi coletou dados de milhares de profissionais de software sobre seu nível, cargo e remuneração associada. Aqui estão algumas das empresas mais representativas associadas a um conjunto “standard” de níveis que eles abstraíram de todos os dados autorrelatados que coletaram:

Source: Levels.fyi

No livro “Staff Engineer: Leadership beyond the management track” de Will Larson ele usa o termo Staff-plus como um rótulo abrangente para títulos de Staff, Principal e Distinguished. Muitas empresas têm apenas um subconjunto desses títulos como podemos ver na imagem acima, adicionando mais lentamente à medida que sua equipe cresce, mas as empresas que têm apenas um título de liderança técnica quase sempre usam Staff. Algumas empresas usam uma sequência alternativa, mas estão em minoria.

Existe uma ambiguidade generalizada em torno do plano da carreira da liderança técnica, tornando difícil responder a perguntas aparentemente simples sobre os papéis envoltos em um Staff-plus. Se você é um Senior Engineer e deseja progredir para um Staff Engineer, que habilidades deve desenvolver? As habilidades técnicas por si só são suficientes? Como a maioria das pessoas passa para um desses cargos? Qual é o papel do seu gerente para ajudá-lo ao longo do caminho? Você gostará de ser um Staff Engineer ou trabalhará por anos para alcançar um cargo que não se adapta a você?

Muitas dúvidas né! Pois bem, vamos aos arquétipos…

Arquétipos

Neste mesmo livro do já citado Will Larson, ele traz um conceito muito interessante, que é a utilização de arquétipos para rotular essas variantes frequentes de engenheiros Staff-plus ou Liderança Técnica.

Na literatura, os padrões de caráter recorrentes são chamados de arquétipos, como o “herói” ou o “trapaceiro”. Um conceito da psicologia utilizado para representar padrões de comportamento associados a um personagem ou papel social.

A maioria dos planos de carreira define um conjunto único e uniforme de expectativas para os Staff Engineer que operam na empresa. Todos eles se beneficiam de expectativas claras, mas os planos de carreira são uma ferramenta que se aplica melhor a um conjunto de colaboradores do que a um único indivíduo. Isso é particularmente verdadeiro para engenheiros Staff-plus, cujas carreiras muitas vezes encobrem vários papéis distintos escondidos por trás de um único apelido.

O Will Larson em seu livro propõe um agrupamento dos papéis dos engenheiros Staff-plus em quatro padrões distintos. A maioria das empresas enfatizava um ou dois dos padrões, e um padrão só existia em empresas com muitas centenas ou milhares de engenheiros. Algumas empresas não apresentavam nenhum padrão de liderança técnica e empurraram todos os seus engenheiros experientes para a gestão de engenharia.

Os quatro arquétipos comuns dos papéis Staff-plus são:

Tech Lead

É o profissional que orienta a abordagem e a execução de uma equipe específica. Eles têm parceria próxima com um único gerente, mas às vezes fazem parceria com dois ou três gerentes dentro de uma área.

Tech Leads são o arquétipo mais comum de um Staff Engineer. Eles se sentem confortáveis ​​ao definir o escopo de tarefas complexas, apoiar sua equipe para resolver problemas e tirar impedimentos técnicos ao longo do caminho. Os Tech Leads muitas vezes carregam com eles o contexto do time e mantêm muitos dos relacionamentos essenciais entre times multifuncionais, necessários para o sucesso do produto. Eles são parceiros próximos do Product Manager do time é a primeira pessoa chamada quando o roadmap precisa ser alterado.

Embora estejam codificando menos, eles ainda são a pessoa que define a visão técnica de sua equipe e intervém para construir o alinhamento dentro do time em questões complexas. O papel do Tech Lead é, para muitas pessoas, sua primeira experiência como Staff Engineer.

Algumas empresas também têm um cargo de Tech Manager, que é semelhante ao arquétipo do Tech Lead em escopo de atuação, mas existe na trilha da gestão da engenharia e inclui responsabilidades de gerenciamento de pessoas.

Architects

É o responsável por garantir que boas práticas de arquitetura sejam adotadas. Eles combinam conhecimento profundo de restrições técnicas, atributos de qualidade e design, tudo isso para tomar decisões atendendo os objetivos de negócio e principalmente garantindo a orquestração necessária para a construção dos sistemas de software.

Embora o cargo de Architect tenha saído de moda em algumas empresas, o papel de Architect continua vivo para as pessoas que operam nos níveis de Staff-plus. Os Architects são responsáveis ​​pelo sucesso de um domínio técnico específico dentro de sua empresa, por exemplo, o design de API da empresa, a Stack envolvida, estratégia de armazenamento ou infraestrutura em nuvem.

Existe um preconceito tóxico de que os Architects projetam sistemas isoladamente e, em seguida, passam seus diagramas para que outros os implementem. Isso acontece em alguns casos, mas recitar esse estereótipo caluniaria os melhores que conheci. Architects influentes dedicam sua energia para manter um entendimento íntimo dentro do time das necessidades do negócio, dos objetivos de seus usuários e das restrições técnicas relevantes.

O papel de Architect tende a evoluir em empresas relativamente grandes, empresas com bases de código excepcionalmente complexas ou acopladas e empresas que estão lutando para pagar o débito técnico que criaram em sua corrida inicial para se adequar ao mercado de produto. Existem variações e especialidades dentro desse arquétipo, como Enterprise Architect, Cloud Architect, Solution Architect etc.

Solver (especialista)

O Solver se aprofunda em problemas arbitrariamente complexos e encontra um caminho apropriado para avançar. Alguns se concentram em uma determinada área por longos períodos, tornando-se especialistas. Outros saltam de uma especialidade para outra, guiados pela liderança organizacional.

O Solver é um especialista que se aprofunda em problemas complicados, continuando a trabalhar neles até que sejam resolvidos. Pessoas nesta função são movidas para problemas identificados pela liderança organizacional como críticos e sem uma abordagem clara ou com muito risco de execução.

Esse papel é mais comum em empresas que pensam nos indivíduos, em vez de pensar nos times, mas também em empresas que possuem produtos com alguma necessidade muito específica. Nessas empresas, é comum ver o Solver prevalecer no lugar do Tech Lead. É menos provável que você encontre esse papel em empresas gerenciadas de modo tradicional e em empresas pequenas, até que se tornem relativamente grandes ou tenham vida suficiente para adquirir sua própria variedade de dívida técnica.

Right Hand (braço direito — confiança)

O Right Hand é um arquétipo que serve de apoio a um executivo, emprestando seu escopo e autoridade para operar organizações particularmente complexas. Eles fornecem capacidade adicional aos executivos de organizações de grande escala.

O Right Hand é o menos comum dos arquétipos, aparecendo quando uma organização atinge milhares de engenheiros e é semelhante a operar como um ‘Assistente Estratégico’ ou braço direito de líderes executivos. Eles são os olhos, ouvidos e aconselhadores da parte técnica em assuntos organizacionais. No entanto, pedir autoridade vem com a obrigação de permanecer profundamente alinhado com a abordagem, crenças e valores desse líder.

Pessoas nesta função participam das reuniões de equipe de seus líderes e trabalham para dimensionar o impacto desse líder, removendo problemas importantes. Os problemas tratados nesse nível nunca são puramente técnicos e, em vez disso, envolvem a interseção de negócios, tecnologia, pessoas, cultura e processos. Normalmente são atribuídos acima do nível Staff Engineer, sendo por exemplo Principal Engineer ou Distinguished Engineer.

A alegria dessas funções é que você só trabalha com problemas extremamente importantes. A tragédia é que você está sempre pronto para o próximo problema quando esses problemas são resolvidos.

É certo que algumas pessoas são mais fáceis de classificar do que outras. Também é certo que alguns arquétipos são mais comuns que outros. O importante é entender que há certa complexidade em encaixar vários papeis em um mesmo cargo, pois dentro de suas descrições existem atribuições muito diferentes.

Ao pensar em qual desses arquétipos você se encaixaria, comece refletindo sobre os tipos de trabalho que o energizam e, em seguida, considere quais oportunidades estão disponíveis em sua empresa. Todas as empresas desenvolvem a necessidade de engenheiros que possam preencher o papel de Tech Lead, o que o torna o arquétipo mais acessível para atingir sua primeira função de Staff Engineer.

As empresas que enfatizam o trabalho individual em vez do trabalho em time geralmente desenvolvem o Solver mais cedo. Nas safras recentes de Startups tecnológicas, os papéis de Architect e Right Hand geralmente surgiram quando as organizações atingiram cem e mil engenheiros, respectivamente, e simplesmente não existem de antemão.

Embora seja importante buscar um arquétipo que se adapte bem a você, também vale a pena lembrar que ao longo de sua carreira você terá tempo suficiente para poder experimentar cada arquétipo.

E aí, conte para mim, você consegue enxergar um caminho flexível e motivador após atingir a senioridade como contribuidor individual? 🚀🚀

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