Contribuidor Individual ou Gestão de Pessoas

Hugo Estevam Longo
10 min readOct 28, 2021

--

Ultimamente tenho conversado sobre carreira com algumas pessoas da área TECH (inclusive de várias empresas). O drama central para muitas pessoas é mais ou menos assim:

Sou engenheiro sênior, mas estou pensando em ser gerente. Eu realmente gosto de engenharia, mas sinto que estou apenas resolvendo os mesmos problemas uma e outra vez e parece que os problemas reais são problemas de pessoas. Tenho que ser gerente para ser promovido. Espero que não seja terrível, uma vez que eu faça a troca. Ouvi dizer que é terrível.

Queria escrever este post há muito tempo, mas faltava estruturar algumas ideias. Vamos começar com: O que é um plano de carreira?

Plano de Carreira

Em sua forma mais básica, um plano de carreira é algo que:

  • Define os possíveis cargos e papéis em todo o seu negócio
  • Mostra quais cargos e papéis cada membro da equipe pode progredir
  • Explica o que alguém tem que fazer para progredir para cada cargo e papel

Uma estrutura eficaz de plano de carreira oferece clareza à sua equipe e lhes dá uma sensação de progressão significativa. Isso os impede de sentir que estagnaram e diminui o risco subsequente de sentirem-se desmotivados, ou procurar oportunidades de progressão em outras empresas. Finalmente e o mais importante na minha opinião — mostrar aos colaboradores que estão investindo em seu desenvolvimento pessoal, algo que demanda muito esforço para fazer, embora pareça simples.

Inúmeras empresas, principalmente as mais ricas e experientes já fizeram isso há um bom tempo. Muitas delas tornaram públicos seus planos e várias empresas menores copiaram. E talvez aí esteja um grande erro, passar horas navegando nesses planos para servirem de inspiração é ótimo, copiá-los é péssimo, pois o plano deve ser intimamente ligado a realidade da empresa e principalmente as possibilidades que ela conseguirá propiciar.

Estrutura do plano de carreira

Há uma grande variedade de cargos e principalmente papéis na área TECH, desde profissionais de marketing de conteúdo até engenheiros de back-end e front-end. Então, como você constrói um plano que funciona para todos eles?

Existem dois objetivos principais que moldam o número de níveis e como eles devem ser estruturados para suportar uma progressão e eles estão relacionados com a carreira Y:

  • Que história é essa que só têm progressão de carreira para virar gestor?
  • Que história é essa que se escolher uma “trilha” irei envelhecer lá?

Vamos nos aprofundar mais em cada um deles.

Primeiro: Resolver o conflito “Contribuidor Individual (IC)” vs “Gestor de Pessoas”

Em suma: nem todos querem ser promovidos a papéis gerenciais e algumas pessoas querem se concentrar em aprimorar um conjunto de habilidades específicas à perfeição. Um exemplo hipotético do Joãozinho, um engenheiro de software sênior que possui habilidades de codificação e design que o tornam extremamente importante para organização. Mas, ele não está particularmente interessado em gerenciar pessoas. As empresas precisam de Joãozinhos, mas se a única progressão que você está oferecendo é movê-lo para a gestão de pessoas, ele vai fazer as malas e se mudar para outro lugar ou você perderá um ótimo técnico e terá um péssimo gestor.

Por conta disso, o conceito de carreira Y (porque a letra “Y” tem uma bifurcação) dá uma escolha explícita entre esses cargos. O plano de carreira inicia com os colaboradores como juniores, mas à medida que avançam, o caminho se divide. Neste ponto, eles têm a escolha entre continuar como Contribuidor Individual, ou passar para a Gestão de Pessoas.

Segundo: Criar um senso de progressão tangível e gradual.

Na maior parte das empresas, a maioria dos cargos começa em “júnior”, “pleno”, “sênior” e “Gerente de”. Isso não está totalmente errado e é amplamente utilizado por algum momento nas empresas. Significa simplesmente que ainda não foi detalhado o suficiente para dar às pessoas uma sensação de progressão, muito comum na primeira versão do plano (V1). O exemplo mais gritante dentro da minha área de atuação é o cargo de “desenvolvedor”, que geralmente fica entre desenvolvedor júnior e desenvolvedor sênior. As pessoas ficam presas nesse cargo, sem nenhuma ideia real de quando ou como progrediriam para desenvolvedor sênior.

É necessário que conforme a empresa cresça ela passe a oferecer um número maior de níveis. Olhando o mercado, existem muitos planos que escolheram seis ou sete níveis de progressão.

O resultado pode ser uma estrutura padrão como essa:

Mas mesmo contendo os sete níveis acima, faz-se necessário dar ainda mais visibilidade para as pessoas não perderam o impulso. Portanto, para dar uma sensação tangível de progressão, uma pessoa do nível 1 que está apenas começando, não pode enxergar apenas um grande salto entre cada nível até chegar no nível 7 por exemplo. Para evitar esse sentimento intimidador, sem que as pessoas se sintam “presas” em um nível, existem os subníveis. Estes dão uma sensação mais forte de progressão mês a mês ou trimestre a trimestre, e funcionam conforme imagem abaixo:

Esses subníveis são a articulação necessária para enquadrar um colaborador dentro de uma faixa salarial. Normalmente um cargo tem um faixa que vai de X até Y e é preciso estabelecer alguns parâmetros para diferenciar os colaboradores entrantes dos colaboradores que já estão atingindo o próximo nível.

A principal preocupação é a equidade — particularmente entre o Contribuidores Individuais (ICs) e a trilha de Gestão. O plano deve demonstrar e na prática valorizar os ICs e os Gestores igualmente. Se os cargos forem desequilibrados entre as duas trilhas, todo o trabalho está minado e a mudança de trilha deixa de ser fácil e passa a gerar dor de cabeça.

E a progressão para o próximo nível?

Com uma estrutura de níveis e subníveis fica mais fácil descrever quais são as regras para progredir de um cargo para outro.

Isso significa definir um conjunto de competências para cada cargo e papel. Como estávamos evoluindo o nosso plano de carreira na NDD recentemente, vou compartilhar como construímos uma estrutura geral para trabalhar em todo o negócio, estes tinham que ser amplos o suficiente para aplicar universalmente.

Dividimos essas competências em 5 áreas, que faziam sentido ser aplicadas em todo o negócio, independentemente de seu cargo ou papel específico:

  • Habilidades
  • Entrega
  • Liderança
  • Comunicação
  • Comportamento e valores

Essa parte não é uma tarefa fácil e lembre-se, este plano deve ser projetado para cobrir toda uma progressão de carreira. Cada nível tinha que ter um conjunto de competências que representassem um grande aumento no desenvolvimento pessoal e profissional do colaborador.

É um trabalho lento, árduo e caro, mas que traz um benefício fenomenal. Na verdade, esse trabalho de construção precisa prever cada detalhe, precisa responder cada pergunta relacionada a carreira que um colaborador pode ter. Portanto, se um determinado colaborador quiser saber o que precisa evoluir para sair de desenvolvedor pleno (IC2) para desenvolvedor sênior (IC3) a resposta deveria estar nítida no plano, mesmo que em produtos/projetos existam competências diferentes, esse plano precisa prever isso. Perceba que o plano não é um mero descritivo ou um simples Excel, passa a ser um conjunto de artefatos, que precisamos constantemente estar atualizando para dar visibilidade ao maior interessado, o colaborador.

A imagem abaixo é um esboço de como organizamos as competências para todos os níveis de Contribuidor Individual e Gestor de Pessoas:

Está embaçado de propósito 😁

Nem sempre será possível ter tudo detalhado em um primeiro momento, por isso a importância de que o plano de carreira possua versões e esteja em constante evolução. A área de Gente & Gestão é a puxadora dessa iniciativa, mas é essencial o protagonismo dos líderes de todas as áreas na construção do plano, só assim é possível criar um modelo que atenda às necessidades da organização.

À medida que essa estrutura evolui com o tempo, ganhará mais granularidade em torno de habilidades específicas, mas as competências de cada nível permanecerão sempre consistentes.

Cargos significativos

Uma vez que temos uma lista de competências para cada nível, e salários vinculados a cada cargo. Chega um momento bem importante, dar nome significativo aos cargos.

Esta tarefa não é levada a sério por muitas empresas, mas tem um papel importantíssimo na identificação do colaborador, para de fato incorporar o cargo e para gerar atratividade no mercado. É possível deixar todos com os nomes básicos. Mas é importante caprichar por algumas razões:

  • Um número ou sigla por si só não comunica o cargo e a responsabilidade de alguém de forma clara, especialmente para pessoas fora do negócio. Se você disser “Sou um Dev IC4 na NDD”, ninguém vai saber o que você quer dizer.
  • Simplesmente mudar um número não é uma recompensa particularmente satisfatória para progredir para o próximo nível. Conseguir um cargo ou papel totalmente novo parece mais pesado.

Cada nível recebe seu próprio conjunto de cargos, inclusive, para todos os níveis de Contribuidor Individual e Gestor de Pessoas. Na área TECH e especialmente na Engenharia existe uma gama enorme de papéis que surgem e somem a cada instante, nesse caso você pode encaixá-los em um mesmo nível, equiparando funções diferentes. Um exemplo são os diferentes arquétipos de uma liderança técnica, já escrevi sobre isso e você pode ler mais aqui. Abaixo um exemplo de como poderia ficar a estrutura:

Novamente, perceba que as posições de IC e Gestão são paralelas, possibilitando que o colaborador possa de maneira facilitada trocar a sua trilha. Isso soa super importante e é um dever da organização comunicar que um engenheiro IC4 é tão importante quanto um Tech Manager, mas não tem responsabilidades iguais, principalmente tratando de pessoas.

Por fim, qual trilha devo escolher?

Vamos finalizar com a ideia de que independente do caminho que você escolher, um bom plano de carreira vai lhe oportunizar uma troca suave, inclusive prevendo que ela aconteça de forma natural.

Como já passei por essa fase, vou contar algumas percepções que tive sobre como passar de Contribuidor Individual para Gestor de Pessoas.

  1. Não encare tornar-se gestor como uma promoção — é um movimento lateral para um caminho paralelo. Você está de volta ao nível júnior em muitas habilidades importantes. Assimile e evolua com isso.
  2. As pessoas podem ir e voltar entre as trilhas do Gestão de Pessoas e Contribuidor Individual. Existem coisas boas para aprender em ambos os lados.
  3. À medida que os níveis sobem, as trilhas de Gestão de Pessoas e Contribuidor Individual exigem habilidades de comunicação idênticas. É a verdadeira super competência em ambos os lados. Não pense que por ficar do lado técnico você não vai precisar se comunicar, pelo contrário sua comunicação clara será fundamental para evolução dos times.
  4. As pequenas empresas geralmente não precisam de mais do que um engenheiro de nível sênior. Para permanecer nesse cargo por muito tempo, você terá que ficar mudando de emprego. Já em uma grande empresa há muitos projetos que precisam de experiência real de nível sênior. Em toda equipe, há trabalho para junior, para pleno e para sênior. Aceite isso!
  5. Tanto a Gestão de Pessoas quanto Contribuidor Individual possuem as mesmas exigências para prosperar: atenção contínua e foco. Ninguém faz as duas coisas bem ao mesmo tempo. Ou seja, você precisa escolher um. Se você ainda gasta várias horas codificando por dia, 99% de chance de você não estar indo muito bem no gerenciamento. Existem muitas pessoas que fazem as duas coisas bem — mas em série. Não simultaneamente.
  6. Gerenciar não é ter um “estilo” e contratar pessoas que gostem de ser gerenciadas dessa forma. Essa é a maneira mais rápida de ter um pensamento de grupo homogêneo. É sobre contratar deliberadamente para “adicionar cultura” e adaptar seu estilo de maneira diferente para cada pessoa. É por isso que leva tanto tempo. Porque, além de gerenciar todos de forma diferente, você deve mantê-los (juntos!) em uma direção que agregue valor à organização.
  7. Gerenciar não significa dizer às pessoas para fazerem as coisas do seu jeito. Quer dizer, você até pode fazer isso, e as pessoas podem até fazer isso por um tempo. No entanto, é muito mais eficaz criar uma situação na qual eles mesmos cheguem à mesma conclusão. Então eles incorporam a solução. As pessoas também pensam que liderança técnica significa dizer aos outros engenheiros o que eles têm que fazer. Noção equivocada, que deve ter abordagem semelhante conforme dito acima. É difícil criar uma situação em que outras pessoas cheguem à mesma conclusão. E nem sempre funciona. Quando não funcionar, se fazer do jeito deles não vai prejudicar materialmente a empresa, confie na turma. Use autoridade com moderação, para que, quando o fizer, eles saibam que realmente foi uma intervenção importante.

Vou parar no 7, um bom número primo. Acredito que com o que escrevi até aqui já dá para perceber a forma como vivenciei e como penso a progressão de carreira.

Se você tiver que escolher uma trilha, pense sobre o que você terá que abrir mão. Procure não se afastar totalmente do outro lado, pois você pode voltar, por isso percorrer a carreira desde a sua base faz muita diferença. Se você está passando pelo processo de criação de um plano, comece com uma primeira versão, evolua para uma carreira Y e aprimore o modelo constantemente e quem sabe uma carreira W vai começar a fazer sentido em sua organização. Mas isso é para outra hora.

Está curioso sobre como estamos evoluindo a progressão de carreiras na NDD, deixe seu comentário, será ótimo trocar experiências com vocês. 👍

--

--