O Efeito Plataforma

Hugo Estevam Longo
11 min readSep 5, 2019

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Photo by Colin Watts on Unsplash

No ano passado, participei do evento ProductCamp e tive oportunidade de assistir a palestra do

sobre “Tópicos avançados de gestão de produtos”. Essa palestra me despertou o interesse em estudar mais sobre o tema Plataforma, para entender mais profundamente o que isso significa e como impacta o desenvolvimento dos produtos. Esse será o primeiro post de uma série que pretendo escrever.

Não é novidade que a transformação digital está rompendo o mundo dos negócios, muito em razão da importância econômica dos dados, conforme escrevi em Dados são o Novo Ouro. O efeito colateral é a transformação da natureza dos mercados e dos produtos, na forma de produzi-los, nas formas de entrega e de pagamento, na escala do capital para se operar globalmente e os requerimentos de capital humano. E tudo isto a custos relativamente baixos. Não é exagero prever que as empresas dependerão cada vez mais da inteligência artificial para rotinas básicas e também para atividades mais complexas. A era digital também está promovendo a produtividade, ao expor as empresas a novas ideias, tecnologias e práticas operacionais, mas principalmente, ao criar novos canais de acesso aos mercados, as chamadas “Plataformas”.

O que é Plataforma?

“Uma plataforma é um modelo de negócios plug-and-play que permite que vários participantes (produtores e consumidores) se conectem a ela, interajam uns com os outros e troquem valor.” — Sangeet Choudary

Enquanto as empresas tradicionais empurram produtos e serviços para os clientes, as plataformas, com seus efeitos de rede, atraem produtores e consumidores para que eles possam interagir entre oferta e demanda. Ao puxar mais usuários, as plataformas se tornam mais valiosas para todos os usuários.

No modelo de negócio tradicional, quando os produtos de uma empresa são robustos — altamente funcionais, elegantes em seu design, preços razoáveis ​​e proporcionam prazer ao usá-los — a própria empresa será igualmente robusta, isso não está errado. Ela crescerá nos bons tempos, resistirá aos maus e fará a difícil transição de uma geração de tecnologia para a seguinte.

Modelo Tradicional com uma esteira na entrega de valor. (Fonte: Adaptado de Platform Scale)

Entretanto, mudar para o modelo de plataforma tem como reflexo no negócio o fato das empresas não estarem mais no negócio de construir software. Cada vez mais, as empresas devem estar no negócio para permitir interações sociais e comerciais eficientes, mediadas por meio da tecnologia.

As plataformas existem há anos no mercado, por exemplo: Feiras e Shopping Centers conectam consumidores à comerciantes; jornais conectam assinantes à anunciantes. O que mudou neste século foi a tecnologia da informação que reduziu profundamente a necessidade de possuir infraestrutura e recursos físicos. A TI torna a construção e ampliação de plataformas muito mais simples e barata, permitindo uma participação quase sem atrito, que reforça os efeitos de rede e melhora a capacidade de capturar, analisar e trocar enormes quantidades de dados que aumentam o valor da plataforma.

Modelo Plataforma na interação da troca de valor. (Fonte: Adaptado de Platform Scale)

Existem muitas variedades de plataformas, mas elas possuem uma mesma estrutura básica, composto por quatro tipos de “jogadores” (players): os proprietários de plataformas que controlam sua propriedade intelectual e governança; os provedores que a servem como a interface com os usuários; os produtores criam suas ofertas; e os consumidores usam essas ofertas.

Por ser um assunto relativamente novo, esse campo ainda guarda algumas contradições entre os autores. No livro Platform Scale, o autor Sangeet Choudary, faz uma distinção diferente da de Evans e Schmalensee (autores do livro Matchmakers) entre negócios tradicionais e plataformas.

Para Choudary, empresas tradicionais são como dutos:

“As empresas fazem produtos ou elaboram serviços e os vendem aos consumidores (…) criando um fluxo linear de valor, parecido com o fluxo de água por um duto.”

Desde a produção até o consumo, tudo funciona em um único sentido. Já as plataformas cumprem dois papéis: construir a infraestrutura para produtores e consumidores se conectarem e instantaneamente interagir uns com os outros. Pela definição de Choudary, revistas, por exemplo, pertencem ao modelo tradicional, porque seu modo de produção é linear (o conteúdo é feito para o leitor). Para Evans e Schmalensee, elas são uma espécie de plataforma, porque atendem a distintos grupos de clientes.

Permitindo Interações

Apesar das pequenas diferenças, a base do modelo de plataformas já está bem fundamentada e um dos principais itens é a Interação. Uma interação envolve uma troca de valor por alguma forma de moeda social ou econômica. Um produtor de valor pode criar e entregar valor a um consumidor que esteja disposto a oferecer a moeda social ou econômica relevante em troca.

Exemplo de como Plataformas orquestram troca de valor.

Produtores e Consumidores

Toda interação envolve duas funções participantes. O produtor cria oferta ou responde à demanda na plataforma. O criador de um vídeo em um canal do YouTube é um produtor. Um motorista registrado e habilitado no Uber é também um produtor. Já o consumidor gera demanda ou consome suprimento na plataforma. O visualizador de vídeo no YouTube e o cliente que solicita uma corrida no Uber desempenham as funções de consumidor em cada plataforma, respectivamente. Esses termos se referem a funções, não a segmentos de usuários. No eBay, o mesmo usuário pode desempenhar as funções de comprador e vendedor em diferentes interações. Todos os usuários que “twittam” no Twitter atuam como produtores, enquanto o mesmo usuário desempenha a função de consumo enquanto lê um fluxo de tweets. A compreensão das funções de produtor e consumidor informa separadamente o design e a criação de ferramentas que incentivam a participação ativa na plataforma, para as respectivas funções.

Valor e moeda

Os conceitos de valor e moeda se aplicam a todas as interações sociais e econômicas. Os produtores criam valor na forma de bens ou serviços. A troca de valor pode envolver a troca de bens físicos (por exemplo, eBay e Etsy), bens virtuais (por exemplo, Medium, YouTube e Facebook), serviços padronizados (por exemplo, Uber e Airbnb), serviços não padronizados (por exemplo, TaskRabbit e Upwork) ou dados (por exemplo, Waze e Nest). Os consumidores podem oferecer moedas econômicas como dinheiro ou algum outro item negociável em troca. Nas interações sociais, os consumidores podem oferecer moedas sociais como atenção, reputação, influência ou boa vontade.

Benefícios das Plataformas

O design emergente dos negócios é o principal trunfo de uma plataforma. Algumas das empresas de maior crescimento da última década — Google, Facebook, Apple, Uber e Airbnb — alavancam o modelo de negócios das plataformas.

“o Uber, a maior empresa de táxis do mundo, não tem veículos; o Facebook, a mídia mais popular do mundo, não cria conteúdo; o Alibaba, o varejista mais valioso do mundo, não tem estoque; E o Airbnb, o maior fornecedor de acomodações do mundo, não tem imóveis. Algo interessante está acontecendo”. — Tom Goodwin

Essas empresas criam uma infraestrutura plug-and-play que permite que produtores e consumidores de valor se conectem e interajam de uma maneira que não era possível no passado. As plataformas permitem que os participantes co-criem e troquem valor entre si. Os desenvolvedores externos podem estender a funcionalidade da plataforma usando suas APIs e contribuir com a própria infraestrutura dos negócios. Os usuários da plataforma que atuam como produtores podem criar valor na plataforma para outros usuários consumirem. Isso muda o próprio design do modelo de negócios.

Nesse novo design de negócios em que a empresa não é mais produtora de valor, as plataformas desempenham duas funções específicas:

  1. Fornecem uma infraestrutura aberta,participativa e plug-and-play para que produtores e consumidores se conectem e interajam.
  2. Selecionam os participantes da plataforma e governam as interações sociais e econômicas que se seguem.

Algumas plataformas facilitam as interações pessoais. Outras gerenciam a coordenação e o movimento de recursos disponíveis em tempo real. Todas essas plataformas desempenham as duas funções principais mencionadas acima. Eles fornecem uma infraestrutura aberta, plug-and-play e governam as interações que ocorrem depois que os participantes entram na plataforma.

Como as plataformas transferem para os clientes o trabalho e esforço de criar grande parte de seu valor, elas tendem a ter poucos ativos. Nesse caso, tanto o capital quanto os custos operacionais são baixos, principalmente em negócios como o Airbnb. Em consequência, os negócios de plataforma podem crescer com extrema rapidez.

Pilares de uma Plataforma

O aumento das plataformas está ficando cada vez mais evidente, independentemente do ramo de atuação das empresas. Além de terem um modelo de negócio em comum, como já dito acima, em que as plataformas se beneficiam da interação e troca de valor entre produtores e consumidores, elas também compartilham de alguns aspectos tecnológicos como nuvem, social e mobile que acabam alavancando a sua escala.

A nuvem fornece uma infraestrutura global para a operação, permitindo que as empresas hospedem aplicativos para uma audiência global. As redes sociais conectam pessoas globalmente e mantêm sua identidade online. Os dispositivos móveis facilitam a conexão a esta infraestrutura global e a qualquer hora, em qualquer lugar. O resultado é uma rede mundialmente acessível e compartilhada que potencializa a expansão das plataformas.

Se olharmos dentro da perspectiva de desenvolvimento de software, Salesforce, Android, Facebook são todas consideradas plataformas, no entanto elas são muito diferentes. Podemos dizer que o Medium e o Wordpress são plataformas de blog, embora tenham algo em comum, no âmbito de desenvolvimento de software elas são diferentes. O Youtube, Instagram e o Facebook são descritas como plataformas sociais, enquanto Uber e Airbnb são referenciadas como plataformas de marketplace. Todos esses negócios possuem implementações diferentes.

Sabendo dessas diferenças, o autor Sangeet Choudary em seu livro Platform Scale propõe um Framework Arquitetural que explica as diferentes configurações que uma plataforma pode ter, uma espécie de pilares da plataforma.

O autor sugere que todas as plataformas possuem três camadas que emergem repetidamente em todas as implementações:

Framework Arquitetural ou Platform Stack

Camada de Rede

A primeira camada de uma plataforma é a de rede, que pode ser uma rede de trabalho ou social, uma comunidade e até mesmo um marketplace. Essa camada é composta por participantes e seus relacionamentos. Quando o contexto dessa camada é rede social, obviamente precisa-se conhecer as conexões de cada usuário. Já em um contexto de marketplace ou comunidade os usuários não precisam ter conexões explicitas, apenas um tema ou grupo que seja possível relacionar interesses de compradores e vendedores. Usuários produtores criam valor nessa rede e para permitir a interação entre eles na plataforma, precisamos da segunda camada: Infraestrutura.

Camada de Infraestrutura

A camada de infraestrutura encapsula as ferramentas, serviços e regras que habilitam o modo plug-and-play naturalmente na plataforma. Nessa camada, também temos uma pequena geração de valor. Os produtores geram valor em cima dessa camada, por exemplo, desenvolvedores Android criam seus Apps e publicam na infraestrutura da loja de aplicativos do Google. Através dessa camada, pode haver geração de valor em abundância e isso pode ser um problema. Se os produtores de vídeos do YouTube criam uma grande quantidade de conteúdo, os consumidores terão dificuldades de encontrar os melhores vídeos para o perfil deles. Para resolver esse problema na plataforma, necessitamos da terceira camada: Dados.

Camada de Dados

Dados é a última camada das plataformas e toda plataforma precisa usar dados de alguma maneira. Através dos dados as plataformas conseguem relacionar os interesses entre oferta e demanda. Nessa camada ocorrem poderosos processamentos em busca do conteúdo mais relevante, do serviço melhor avaliado e do ativo que melhor se encaixa as necessidades do consumidor. Em algumas plataformas, a camada de dados pode ser a camada dominante, o papel mais importante em todo o ciclo. Isso só ocorre porque plataformas diferentes tem necessidades diferentes e aí entram as formas de configurar cada plataforma.

Diferentes Configurações

Conforme mencionado acima, as plataformas tem como base essas três camadas, porém o grau em que cada camada domina pode variar. A composição das camadas na plataforma ajuda a reconciliar as diferenças entre plataformas diferentes, sempre reforçando a semelhança do modelo de negócios em todas essas instâncias. Para entender diferentes tipos de plataformas, é importante exemplificar algumas configurações básicas de Framework Arquitetural.

Diferentes configurações de plataformas

O Airbnb, o Uber e YouTube tem na rede a principal fonte de valor. Indiscutivelmente, todas as camadas desempenham um papel, mesmo que uma seja mais dominante que as outras. A ênfase em alguma camada ajuda a ilustrar que toda plataforma terá sua configuração, como a “Config 1”, por exemplo.

A camada de infraestrutura, no desenvolvimento do Android é a principal fonte de valor para os desenvolvedores, conforme a “Config 2”. As visões mais tradicionais das plataformas de desenvolvimento concentram-se quase inteiramente na camada de infraestrutura, sem um mercado para aplicativos.

Por fim, a “Config 3” reflete um modelo baseado em dados. Plataformas baseadas na Internet das Coisas usam esse modelo para agregar dados de vários dispositivos. Essa agregação de dados permite análises para oferecer serviços customizados para cada usuários. O Waze é um grande exemplo de uma plataforma baseada em dados para fornecer informações em tempo real aos passageiros.

O Impacto das Plataformas

Alguns de nós continuam a acreditar, erroneamente, que a construção de novos produtos utilizando novas tecnologias determinará o sucesso dos negócios no futuro. Em vez disso, viabilizar uma solução de plataforma para orquestrar os usuários conectados em direção a novas e eficientes interações de criação de valor, pode ser a chave para os modelos de negócios do futuro.

O modelo de negócios de plataforma é alimentado por um novo conjunto de fatores que determinam a criação de valor e a vantagem competitiva. Esses fatores estão mudando rapidamente o funcionamento de indústrias inteiras. As empresas mais novas ou Startups estão interrompendo indústrias tradicionais profundamente enraizadas, alavancando plataformas. O declínio da Nokia e Blackberry e o desafio da Uber e da Lyft para o setor de táxi em todo o mundo atestam essa mudança. Enquanto isso, indivíduos e marcas de nicho estão obtendo rápido acesso ao mercado, alavancando plataformas para alcance global.

Os YouTubers estão criando impérios de mídia altamente monetizáveis ​​no YouTube, enquanto muitos freelancers ganham uma vida com oportunidades melhores através do Upwork, de uma forma que nunca conseguiriam em uma empresa tradicional. Embora os efeitos em toda a sociedade sejam evidentes, as causas são profundamente contestadas e apenas superficialmente compreendidas. Compreender e se aprofundar na Visão de Plataforma servirá como uma lente, para analisar essas alterações e aplicá-las a futuros negócios em escala.

Conclusões

À medida que o mundo se torna mais conectado, os sistemas que melhor aproveitam esses usuários e objetos conectados para interações sociais e comerciais eficientes vencerão. Para fazer isso com sucesso, esses sistemas precisarão entender e alavancar a escala da plataforma.

Durante os estudos, percebi que nada é mais impreciso que o uso atual da palavra PLATAFORMA, cujo significado mais genérico é “base sobre a qual se pode construir”. Nos círculos técnicos, plataforma pode ser “qualquer software básico sobre o qual se desenvolvem programas adicionais”. Nos setores de mídia, pode significar “canal de distribuição”. Em marketing, pode referir-se a “qualquer marca ou linha de produto que seja usada para lançar outros produtos”. Nesse post o objetivo foi falar de plataforma num sentido específico — como espécie de modelo de negócios, algo que no meu julgamento é primário e impacta nos desdobramentos das demais áreas.

Em outra oportunidade, quero voltar a escrever mais sobre o tema, abordando mais profundamente a parte técnica durante o desenvolvimento dos produtos, até lá!

E aí, você também acredita que Plataformas estão mudando os negócios? Deixe um comentário com sua opinião! 👍

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