O Poder do Propósito

Hugo Estevam Longo
8 min readFeb 2, 2021

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No último post que escrevi, sobre “O Poder da Estratégia” fiz algumas analogias sobre como ter uma estratégia clara é fundamental para ganhar uma Guerra, e por último, fiz um questionamento: “Por que estamos lutando nessa Guerra?”.

Por quê?

A resposta mais simples para isso no mundo dos negócios seria: “Por que estou sendo pago para isso?” ou melhor “Por que estou sendo pago para ganhar dinheiro para os proprietários ou acionistas?”.

Essa pergunta está na minha cabeça há algum tempo. Como as empresas estão agindo para engajar mais e mais pessoas na realização das suas estratégias? Quando vemos as manchetes de escândalos corporativos, demissões em massa, más condições de trabalho essa pergunta de por que fazemos o que fazemos corta o cerne da questão, e eu acho que realmente precisamos lidar com isso porque a globalização dos negócios teve um impacto profundo sobre nós. Certamente, se você trabalha em algum ramo de negócio que está passando pela transformação digital você deve ter percebido um aumento significativo de oportunidades, tornando o mercado mais aquecido e por consequência concorrido. O apoio às políticas anti-negócios é avassalador e ainda há uma expectativa de que as empresas assumam um papel de liderança na melhoria das condições sociais e ambientais em nossas comunidades. Movimentos populistas têm estado em ascensão e eles estão mirando na elite empresarial, para que estes se preocupem com a temática acima.

Então, onde isso nos leva? Bem, o desejo de mudança está absolutamente aqui. Há toda uma geração de jovens talentosos afirmando claramente que há mais interesse no seu local de trabalho do que apenas na busca do lucro. Há maior demanda por prestação de contas e transparência nas empresas por parte dos consumidores. E há empresas que estão realmente entendo esse movimento e assumindo um papel de liderança.

Se você desconfia que isso não é verdade, tudo o que tem a fazer é dar uma olhada nos Millennials para confirmar isso. Uma pesquisa recente sobre os Millennials disse que 8 em cada 10 procura um propósito na tomada de decisão sobre onde trabalhar e onde fazer compras. Propósito. O propósito não torna uma empresa mais fraca, pelo contrário, torna mais forte porque permite que a empresa se alinhe com a comunidade em algumas causas nobres. Sim, o que estamos descobrindo com algumas empresas é que elas estão logrando êxito frente a concorrência, seja por clientes ou colaboradores através de um propósito audacioso.

Choque de Cultura

Para essa geração o modelo tradicional gera conflitos de interesses trabalhistas e até mesmo na reação como consumidores. É daí que vem a teoria das partes interessadas. Em 1984, Edward Freeman realmente falou sobre essa ideia de repensar o propósito dos negócios como um veículo para coordenar os interesses das partes interessadas (Stakeholder Theory). Isso significa que quando chegarmos a uma estratégia para os negócios, não estamos pensando apenas no que os acionistas também estavam pensando “$$$”, mas também nos outros stakeholders, colaboradores, consumidores, fornecedores e comunidades. Mas é um empreendimento complexo. Agora há pedaços disso já no lugar. Temos coisas como desenvolvimento de talentos. Temos programas de doação corporativa. Temos código de ética e normas socioambientais, mas ainda tacitamente.

Durante uma das aulas do MBA em Inovação, curso que estou frequentando, me deparo com aquele famoso tripé do Empreendedorismo (Missão, Visão e Valores). Eis que resolvi criticar e quem me conhece já deve imaginar a enrascada que me meti. Falei que achava um modelo ultrapassado e que no Brasil quase que a totalidade de empresas usam isso sem resultado significativo. Ou seja, eu esperava que na aula de inovação íamos apreender sobre nossos conceitos, recentemente explorados pelas Big Techs e mencionei o tal do Propósito, dizendo que enxergava isso como uma tendência. Apenas, esqueci de me certificar de que não havia ninguém do Sebrae na turma 😆, como resultado logo fui repreendido: “Mas a missão é o propósito da empresa existir!!! Meu Deus…”. Ok, confesso que isso não estava na minha memória recente e logo pensei que talvez eu pudesse não ter tido bons professores de Empreendedorismo na Universidade. O fato é que se sempre foi assim, por que não funcionou para a maioria? Por que isso passava despercebido?

Enfim, percebemos que nos dias de hoje o Propósito tem ficado em evidência em relação a Missão. Talvez até pela própria origem da palavra:

Missão -> incumbência que alguém deve executar a pedido ou por ordem de outrem; encargo. (Oxford)

Propósito -> intenção (de fazer algo); projeto, desígnio. (Oxford)

Claramente temos uma diferença, entre uma situação que alguém lhe dá algo ou você busca algo de alguém. E nesse instante você deve estar se perguntando (assim como eu enquanto escrevia), será que isso é tão importante assim? Será que não é mero detalhe ou frescura dos jovens?

É preciso mudar?

Pois bem, o instituto americano de pesquisa (Gallup) publicou em 2015 um estudo onde eles mostraram que 71% das pessoas na América estão desgastadas nos seus empregos atuais, 25% desses 71% é o que eles chamam de Cave Dwellers. Cave é um acrônimo para “consistentemente contra praticamente tudo”. Então, meu Deus, a America tem 2/3 dos trabalhadores do País desengajados e/ou enfurecidos.

Gallup, vem aqui para o Brasil que nós batemos esse recorde!!!

O que faremos quanto a isso? Bem, inicialmente temos que olhar para a questão sistêmica. Começou com a Revolução Industrial. Foi uma ótima ideia. Ganhar muito dinheiro, fazer muitas máquinas, extrair o máximo de nós e o máximo possível da Terra. E faça-se rico. Não sei se foi a melhor ideia, mas você sabe, trocar significado por dinheiro é uma taxa de câmbio ruim. Porém continuamos fazendo isso nos últimos dois séculos. Estamos quebrando nossas costas e corrompendo nossos corações a fim de usar pessoas e amar dinheiro em vez de amar as pessoas e usar dinheiro.

O que aconteceu? É tudo culpa do foco no dinheiro? O trabalho nos ajudou a nos tornar disfóricos. Fez nosso país e fez a civilização ocidental concentrar-se nas coisas erradas. Tentando ganhar o máximo de dinheiro possível, dinheiro que não temos para impressionar as pessoas que a maioria de nós nem gosta. Ainda assim, o foco é claro. Então, o que aconteceu nos últimos 200 anos? Isto é o que aconteceu. Uma crise de significado. Temos visto por aí empregos muito pequenos para nossos espíritos, e como resultado, não estamos focados em significado. Ao invés disso, muitos de nós tem vidas fúteis, e a propósito essa chama ($$$) que causa queimada nas florestas no planeta é a mesma que também queima o seu bolso, entretanto, não há nada pior do que burnout. E burnout não vem do horário de trabalho. Burnout vem da necessidade de trabalhar um minuto fútil. Um minuto fútil.

O que faremos?

Então, quem vai consertar isso? Bem, um pouco de fundamentalismo, pouca governança e o único setor que poderia salvar o mundo são os negócios. E por que isso? Porque os negócios agora fazem parte de todo esforço humano, todos que estão lendo esse post tem algo a ver com negócios. E a grande coisa sobre os negócios é que nós só estamos focados no resultado financeiro. Temos sido o foco dos acionistas em vez do foco das partes interessadas (Ex.: consumidores, colaboradores, comunidade). Estamos focados em marcas em vez de estandes. Estamos focados em vender Watts em vez de energia, também estamos focados em engajamento em vez de casamento. Estamos focados em contratos em vez de convênios, focados na lealdade em vez de amor. E por fim, estamos focados no próximo trimestre em vez do próximo quarto de século.

Esse é o trabalho que os negócios podem fazer, criando uma narrativa, conectando o propósito com as partes interessadas. E a propósito, os negócios vão ganhar dinheiro. Eles farão as partes interessadas mais felizes. Sabemos que as empresas que realmente têm um propósito identificado ou descobriram seu propósito são, na verdade, negócios mais felizes e engajados. Eles também são realmente lucrativos, fazem 1000% melhor do que as empresas sem propósito, pelo menos é o que temos visto nas bolsas de valores.

Concluindo

Muitos empreendedores, quando começaram, tiveram a ideia certa, mas se separaram dela. Eles perderam o farol e tornaram-se muito mercenários em vez de missionários. Vale ressaltar que muitos deles estão voltando e este é o momento mais emocionante nos negócios que eu já vi, porque agora estamos focando no negócio da vida. O mundo mudou, as pessoas que estão no mercado tem outro perfil, comparado com 20 ou 30 anos atras. As empresas que não assimilarem isso e não focarem verdadeiramente na sua transformação correrão um sério risco, pois agora, com o Home-Office aquecido pela pandemia o inimigo está na sua frente, a concorrência veio para o seu Bairro. Em janeiro de 2021, o mercado financeiro mais poderoso do mundo sofreu com perdas bilionárias, simplesmente por não acreditar que jovens apaixonados por uma empresa pudessem salvar ela da falência. Esse e outros exemplos estão aí, na nossa cara. #pracegover

BÔNUS

Gostaria de compartilhar a história de uma empresa que conheci quando estava estudando o tema. Ela foge dos exemplos famosos e “modinha”. Gostaria de falar de uma empresa que tem um propósito audacioso, os Recicladores da Blue Star.

Fundada por Bill Morris em 2009 no Colorado, a Blue Star Recyclers foi criada através de uma descoberta não planejada: pessoas com autismo e outras deficiências possuem habilidades inatas para tarefas relacionadas à reciclagem de eletrônicos. Depois de testar o palpite em um cenário de enclave de emprego de provedor de serviços para deficientes, Morris teve uma prova positiva de que os altos níveis de desemprego que enfrentam (80–90% nacionalmente) não são devidos à falta de habilidade. É uma falta de oportunidades. Doze anos depois, a força de trabalho permanente de mais de 50 pessoas com deficiência provou ser superior em quase todas as métricas ocupacionais — incluindo zero absenteísmo, menos de 10% de rotatividade anual e 0–1 acidentes anuais com afastamento. Cinco anos atrás, um pesquisador terceirizado observou que eles também estavam 98% do tempo ocupados com suas tarefas. Já pensou?

A Blue Star Recyclers tem como propósito reciclar eletrônicos e outros materiais para criar empregos locais para pessoas com autismo e outras deficiências. O cumprimento desse propósito até agora resultou na reciclagem ética de mais de 23 milhões de libras de eletrônicos, criando mais de 50 empregos para pessoas com deficiência nas cinco operações de reciclagem no Colorado e Illinois, e mais de $ 15 milhões em retorno social do investimento (SROI ).

Trabalhar na Blue Star significa ter uma razão para se levantar de manhã. Significa trabalhar muito, muito duro com pessoas que você gosta e ser pago por isso e às vezes significa ser reconhecido por fazer um ótimo trabalho. Porém o maior benefício foi serem incluídos em uma comunidade da que tinham sido excluídos simplesmente porque eles não se encaixavam no perfil dos empregados. É assim que é trabalhar na Blue Star, e não são apenas aquelas pessoas com autismo e outras deficiências que são impactadas, toda a comunidade local e o meio ambiente colhem frutos desse negócio, essa é a verdadeira transformação.

E aí, você acredita que propósito pode transformar os negócios? Deixe um comentário com sua opinião! 👍

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