Arquitetando o Produto: Guiado pela Estratégia (c/ Wardley Mapping)

Hugo Estevam Longo
13 min readJan 13, 2023
Photo by Jaime Spaniol on Unsplash

Quando começamos a construção de um produto é natural que façamos algumas perguntas, entre elas certamente estará: “Tá, mas qual é a estratégia”? Uma estratégia de produto ou de uma empresa é um plano de alto nível que descreve o que uma empresa espera realizar com seu produto e como planeja fazê-lo. A estratégia deve responder algumas perguntas-chave, se quiser saber mais dá uma olhada nesse artigo que escrevi [O Poder da Estratégia].

A importância de ter uma estratégia definida antes de iniciar o desenvolvimento, de forma resumida é para atender a três propósitos: Fornecer clareza; ajudar a priorizar; guiar decisões táticas;

Se você assim como eu gosta desse tema, já deve ter encontrado uma série de métodos/modelos utilizados para auxiliar na definição da estratégia, como Porter’s Five Force, SWOT, BCG, BSC e hoje quero apresentar pra vocês o YAST (Yet Another Strategy Tool) 😃.

Brincadeira, o nome não é esse, mas realmente quero falar de outro modelo que conheci recentemente e que fez muito sentido. Se você assim como eu gosta de xadrez e guerra acredito que você vai se identificar com o Wardley Mapping.

Imagem retirada do site (https://learnwardleymapping.com/)

O que é Wardley Mapping?

Wardley Mapping é uma técnica de visualização que ajuda as organizações a entender e navegar em sistemas complexos. Desenvolvido por Simon Wardley, um pesquisador do Reino Unido, é uma forma de analisar e mapear a cadeia de valor de um determinado produto ou serviço. O objetivo do Wardley Mapping é identificar os principais componentes e estágios de um produto e entender como eles interagem uns com os outros. Seu slogan é: Estratégia para o Autodidatas.

Esse modelo ajuda a projetar e desenvolver estratégias de negócios com base na consciência situacional e no movimento, seguindo um ciclo estratégico. Esse ciclo da estratégia, de acordo com Simon Wardley, é uma representação da mudança e de como precisamos reagir a essa mudança.

O ciclo da estratégia começa com o propósito e o porquê de todos os negócios e aborda as questões de por que estamos fazendo o que estamos fazendo

É preciso visualizar porque os clientes devem nos escolher em detrimento de outros e, portanto, o propósito em si que deve inspirar o cliente a agir e ter impacto na cadeia de valor, aliás falei bastante de valor aqui [Arquitetando o Produto] no post anterior.

Para Simon Wardley, a estratégia pode ser descrita usando os Cinco Fatores de Sun Tzu: propósito, panorama, clima, doutrina e liderança. (Se você não leu esse livro, recomendo!)

O propósito filosoficamente falando é o seu imperativo categórico, sendo menos romântico é o escopo do que você é fazendo e porque você está fazendo isso. É a razão pela qual os outros seguem você. Já dediquei um post inteiro sobre isso aqui [O Poder do Propósito].

O panorama é uma descrição do ambiente que você está competindo. Inclui a posição das tropas (times), as características da paisagem e quaisquer obstáculos em seu caminho.

O clima descreve as forças que agem sobre o meio ambiente. É o padrão das estações e as regras do jogo. Estes impactam o panorama e você não pode escolhê-los, mas pode descobrir eles. Inclui as ações de seus concorrentes.

A doutrina é o treinamento de suas forças (competências), as formas e padrão de operar e as técnicas que você quase sempre aplica. Estes são os
princípios universais, o conjunto de crenças que parecem funcionar independentemente do panorama que se enfrenta.

A liderança é sobre a estratégia que você escolhe considerando sua
finalidade, o panorama, o clima e as suas competências. É específico do contexto, ou seja, essas técnicas são conhecidas e depende do panorama e do seu propósito.

Nesse modelo, um líder tem um propósito (um o quê e um porquê), compreende o terreno (tem um mapa), antecipa os padrões das forças que atuam no ambiente, treina a organização em princípios universalmente úteis e toma decisões astutas que levam à vitória.

Mas por que um mapa?

Você como um leitor atento, já deve ter percebido que Wardley Mapping trata-se do nome do idealizador com a palavra mapeamento. A sacada do método é literalmente ter um mapa.

Conforme mencionei acima, existem modelos como Porter’s Five Force, SWOT, BCG, BSC que são auxiliares no planejamento estratégico. Embora sejam úteis, sempre me pareceu que o resultado era legal e fazia sentido para quem criava, mas constantemente lemos que o maior desafio ainda persiste em problemas de comunicação e frustração sobre direção e organização por parte dos colaboradores. Fica a sensação de que taticamente e operacionalmente a comunicação não foi absorvida da mesma maneira.

Aí aquele cara mais pragmático tem a “brilhante” ideia:

Para melhorar as coisas, só precisávamos conversar mais.

Você descobre rapidamente que, apesar de todas as conversas, dailys
weeklys e follow-ups, ninguém realmente entendeu a estratégia (veja, conhecer a estratégia é diferente de entender a estratégia).

Foi com essa percepção que Simon notou que geralmente nos modelos de estratégia, é bem comum vermos um propósito e então um grande salto para a liderança e as escolhas estratégicas que tínhamos que fazer. Mas onde estava o panorama, o clima e a doutrina?

Simon observou que normalmente em conflitos militares ou mesmo em jogos como xadrez temos alguns meios de visualizar o panorama através de um mapa, se é o tipo mais geográfico com o qual estamos familiarizados ou uma imagem de tabuleiro. Esses mapas não são apenas visuais, mas específicos do contexto, ou seja, para o jogo ou batalha em questão. Um mapa permite ver a posição de peças e para onde elas podem se mover.

A história do mapa em combates militares

Você provavelmente já ouviu parte dessa história antes se já assistiu o filme 300 do Rei Leônidas e os “trezentos” espartanos.

Imagem do filme 300 (Trailer Oficial)

Neste exemplo singular, o porquê do movimento e propósito ficam claros.
Certamente na Batalha das Termópilas o Rei de Esparta tinha um propósito em salvar os estados gregos, mas ele também tinha escolhas de onde defender. Ele havia escolhido um conjunto deliberado de ações que exploravam o terreno a seu favor.

Consciência situacional, uso do terreno e mapas parecem ser vitais
técnicas no resultado de qualquer conflito. Ter uma estratégia sem considerar qualquer forma de mapas ou compreensão do panorama pode significar um erro de decisão ou de comunicação.

Agora, imagine por um segundo que você fez parte daquele exército grego as vésperas da batalha se preparando para enfrentar adversidades esmagadoras. Imagine que o líder está diante de você reunindo as tropas. Ele é inspirador e lhe conquista com o propósito de defender os estados gregos contra um poderoso inimigo. Vocês são todos altamente treinados, excelentes soldados e têm excelente tecnologia para aquela época. Mas imagine que pouco antes do sangue da batalha, você o vê falar do ambiente, não mostra um mapa e sem estratégia baseada no terreno.

No entanto, ele grita: “Não tenha medo, pois fiz um diagrama SWOT!”

Para aqueles não iniciados na linguagem da “estratégia empresarial moderna” 😃, um diagrama SWOT tem: pontos fortes, pontos fracos, oportunidades e ameaças.

Exemplo da diferença de Mapa vs SWOT no livro de Simon Wardley

Na figura acima, Simon coloca lado a lado um mapa da Batalha das Termópilas e um diagrama SWOT para a mesma batalha.

Agora, pergunte a si mesmo, o que você acha que seria mais eficaz em
combate — uma estratégia construída sobre uma compreensão do panorama ou um diagrama SWOT?

  1. O que você acha que seria mais útil em determinar onde se defender?
  2. Qual ajudaria você a comunicar seu plano?

Pense bem sobre isso e se a proposta apresentada nesse artigo irá lhe ajudar nas respostas.

A relação com o jogo

O autor também faz uma analogia com o jogo de xadrez. Ao jogar uma partida de xadrez geralmente há vários movimentos que podemos fazer e isso determinaria e ajustaria a estratégia. Um erro do adversário poderia permitir mudar de um jogo defensivo para um jogo de ataque.

Não há uma, mas duas questões sobre o porquê no xadrez. Temos o porquê como propósito, como o desejo de vencer o jogo, mas também temos o porquê de movimento como em “por que esse movimento sobre aquele?”

Imagem com o Porquê do Propósito e o Porquê do Movimento (extraído de https://learnwardleymapping.com/)

Estratégia no xadrez é tudo sobre o porquê do movimento, ou seja, porque você deve passar daqui para lá. Essa visibilidade é diferente de toda a estratégia de negócios que tenho visto nos demais modelos. Eles tendem a se concentrar no objetivo ou no porquê de propósito como o fator mais importante nos negócios. Mas o propósito de ganhar o jogo pode não ser o mesmo que as escolhas estratégicas que serão feitas durante o jogo conforme vão mudando o panorama, o clima e suas competências.

Como mapear

Primeiramente… tenha uma ferramenta de desenho colaborativo, como Miro, FigJam, Mural etc. Usei o Excalidraw (gosto pessoal)

Para o seu primeiro mapa, procure gastar o mínimo de tempo possível em cada etapa. O mapeamento é um processo iterativo e não há muito a ganhar analisando demais na primeira passagem. “Perfeito” é inimigo de “bom” e você sempre pode melhorar seu mapa oportunamente conforme descobre novas informações.

Começaremos com os dois primeiros painéis: Propósito e Escopo.

Qual é o seu propósito?

Qual é o princípio profundamente sentido que o leva a fazer este trabalho? Pense em como você pode responder a essa pergunta tanto para você quanto para a organização. Normalmente essa pergunta é respondida por algum papel do time de produtos. Se você não for desse time, nada lhe impede de tentar ajudar nisso, aposto que a ajuda será bem-vinda.

Perguntas úteis:

  1. Qual é o seu propósito?
  2. Por que os outros seguem o seu produto?
  3. Qual é a razão maior para fazer este trabalho?

Qual é o escopo?

Em seguida, descreva o escopo do mapa. Não pense muito sobre isso. Um escopo razoável pode ser um problema individual, um produto ou mesmo um negócio. Escrever o escopo ajuda você a manter o foco enquanto constrói o mapa.

Perguntas úteis:

  1. Que trabalho significativo e importante você está fazendo agora?
  2. Qual é a coisa que deve ter sucesso, mas tem muitas partes móveis?
  3. Quais são os problemas que precisam ser resolvidos?

Quem são seus usuários?

Qualquer coisa criada propositalmente tem usuários. Uma obra de arte tem um público. Um serviço de carona tem motoristas e passageiros. É importante lembrar a quem seu trabalho serve. Pode ser muito fácil deixar os usuários críticos fora de cena!

Adicione seus usuários ao painel.

Perguntas úteis:

  1. Quem são seus usuários?
  2. Quem está esperando algo do seu produto ou pedindo ajuda?
  3. Quem está faltando na foto?

Quais são as suas necessidades?

Um dos princípios fundamentos do Wardley Mapping é o foco nas necessidades do usuário. Depois de saber quem são seus usuários, familiarizar-se com suas necessidades pode orientá-lo a fazer o trabalho certo, intuitivamente. Tudo o que você precisa é de uma pergunta orientadora: este trabalho está alinhado com as necessidades de nossos usuários?

Copie seus usuários para o próximo painel e adicione e conecte suas necessidades.

Perguntas úteis:

  1. Quais são as necessidades dos seus usuários? (Qual é a jornada do usuário?)
  2. Qual é a primeira interação deles com você?
  3. O que acontece depois?
  4. O que acontece por último?
  5. Existem necessidades não atendidas não listadas?

Qual é a cadeia de valor?

A consciência situacional é crítica, mas as necessidades do usuário não podem ser atendidas apenas tomando consciência delas. Você precisa fazer um trabalho real que atenda diretamente a essas necessidades gerando valor. Há uma pressão constante para alocar recursos com responsabilidade, portanto, você deve determinar qual trabalho é o trabalho certo. Você pode encontrar a resposta com o mapeamento da cadeia de valor. Lembre-se, a troca de valor é um dos princípios do Product Thinking abordado no artigo anterior.

Para iniciar o mapeamento da cadeia de valor, copie as necessidades do usuário para o próximo painel e liste todas as atividades que precisam acontecer para que as necessidades do usuário sejam atendidas. Em seguida, liste quaisquer atividades adicionais que facilitem as atividades que você já listou. Você deve acabar com pelo menos duas camadas de atividades abaixo das necessidades do usuário.

Na vertical, perceba que quanto mais abaixo, menos essa atividade tem valor na percepção do usuário, do contrário, quanto mais acima a atividade estiver listada mais valor ela tem na percepção do usuário.

Perguntas úteis:

  1. Quais são todas as atividades que precisam acontecer para atender às necessidades do usuário?
  2. Quais são as dependências? Quais necessidades e atividades dependem de outras atividades?
  3. Uma dependência importante está ausente ou não gerenciada?
  4. Que valor essa atividade traz para o usuário?

Quão evoluído é cada componente na cadeia de valor?

Simon observou que cada dependência em sua cadeia de valor evoluiu através das forças de oferta e demanda de competição. Durante esta evolução, suas características também mudaram. Na verdade, cada dependência existe em um espectro que vai do novo, incerto e propenso a falhas ao antigo, enfadonho e confiável.

Se houver concorrência, os componentes construídos evoluirão até se tornarem industrializados. Isso afeta tudo, desde atividades (o que fazemos), práticas (como fazemos algo), dados (como medimos algo) até conhecimento (como entendemos algo). Você pode se basear na tabela de padrões climáticos.

Na horizontal, perceba que quanto mais à esquerda mais inexplorado é o tema, quanto mais a direita, maior a adoção pela indústria.

Por que isso importa? Simplificando, um componente mais evoluído pode ser terceirizado e tratado como um Building Blocks, enquanto um componente menos evoluído geralmente precisa ser construído do zero ou receber outra consideração especial (dinheiro, tempo e energia). Para ilustrar o ponto, considere um componente para Armazenamento de Arquivos, por que deveríamos gastar tempo e assumirmos riscos desenvolvendo o nosso próprio componente de Armazenamento de Arquivos?

A terceirização de componentes altamente evoluídos é um aspecto crítico da criação de soluções econômicas. Como você tem recursos limitados, faz sentido guardá-los para os componentes que realmente precisam de um tratamento especial. Não reinvente a roda!

Esta etapa na figura abaixo é basicamente um problema de categorização. Para cada dependência na cadeia de valor, use as dicas de características evolutivas do panorama para determinar se o componente pertence a Genesis, Custom, Product ou Commodity.

Genesis representa o único, o muito raro, o incerto, o em constante mudança e o recém-descoberto. Nosso foco está exploração.

Custom Built representa o muito incomum e o que nós ainda estamos aprendendo sobre. É feito individualmente e sob medida para um
ambiente específico. É sob medida.

Product (+rental) representa o cada vez mais comum, o fabricado através de um processo repetível, o mais definido, o mais bem compreendido. Muitas vezes você verá muitos do mesmo produto.

Commodity (+utility). representa escala e volume, operações de produção, o altamente padronizado, o definido, o fixo, o indiferenciado, o adequado para um propósito específico bem conhecido e repetição, repetição e mais repetição.

Comece considerando apenas uma ou duas características familiares. Por exemplo, você pode perguntar como é o mercado para esse componente. Se o mercado estiver indefinido, o componente provavelmente está no Genesis. Um mercado em crescimento, no entanto, pode sugerir que está em Product. Coloque cada componente ao longo do eixo horizontal (Evolução) de acordo com sua determinação.

Perguntas úteis:

  1. Quão evoluído é cada componente? Como o resto do mundo o trata?
  2. Há algum componente no Commodity que você não tenha terceirizado?
  3. Há algum componente no Product para o qual você não comprou um produto pronto para uso?
  4. O que você está construindo agora que se parece com Building Blocks?

Próximos passos

Eis que você construiu seu primeiro mapa! Orientando-se em torno das necessidades de seus usuários e estando ciente das dependências envolvidas e como tratá-las, agora você pode seguir em frente e expandir o seu trabalho.

Seu próximo passo é compartilhar seu mapa com outro colega e discutir, na medida que coleta feedback, você pode executar outra iteração da tela para aplicar qualquer nova informação.

Algumas sugestões:

  1. Saiba quem são seus usuários e concentre-se em suas necessidades. Tenha cuidado com trabalhos não alinhados para atender a essas necessidades!
  2. Fique atento a dependências ausentes ou não gerenciadas em sua cadeia de valor.
  3. Não construa a roda novamente. Terceirizar componentes que devem ser Building Blocks.

Certamente, um dos grandes desafios e dificuldades que vocês vão enfrentar durante o mapeamento é a correta “Separação das Partes” de um produto, para realizar a melhor disposição no mapa. Porém, não se preocupe, pois, pretendo abordar essa temática juntamente com uma abordagem mais profunda de doutrina e liderança no nosso ciclo estratégico no próximo artigo [Arquitetando o Produto — Separando em Partes]. A ideia desse artigo era ser apenas uma introdução a Wardley Mapping e como ele pode nos ajudar. Veremos mais detalhes nos próximos capítulos.

Importante: O uso de Wardley Mapping não é exclusivo, não elimina o uso de outros modelos que citei ao longo do artigo. Pelo contrário o uso de outros modelos de planejamento estratégico ou frameworks de produtos podem ajudar na concepção do mapa e facilitar sua posterior comunicação. Gostei da abordagem de Wardley Mapping porque seu modelo facilita a comunicação tática e operacional, sem perder o guia estratégico.

E aí, já conhecia Wardley Mapping, gostou desse modelo e da forma como ele foi concebido? Deixe a sua opinião 😃👍

Estou compartilhando algumas ideias nos seguintes artigos:

Arquitetando o Produto

Arquitetando o Produto: Separando em Partes;

Arquitetando o Produto: Organizando os Times;

Arquitetando o Produto: Juntando as Peças;

Espero que tenham gostado e até lá!!! 😃

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